UM MUNDO DESIGUAL

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Artigo por: Inês Cardoso



A desigualdade económica, geradora por consequência de desigualdades sociais, é um dos grandes problemas que afeta atualmente a maioria dos países do mundo, em especial destaque, os países com menor desenvolvimento. É notória esta disparidade entre diferentes continentes, países e até mesmo regiões, tratando-se, como tal, de um dos fatores que leva a conflitos entre povos. Esta desigualdade tende a agravar ainda mais os problemas socioeconómicos daqueles que levam vidas mais dificultadas. Este desequilíbrio social, como foi anteriormente referido, é uma consequência negativa da má distribuição da riqueza. Raros são os países onde verificamos uma distribuição homogénea da riqueza, o que gera um contraste muito acentuado entre a população, posto que apenas uma pequena parcela da sociedade detém a maioria dos recursos económicos, enquanto a maioria quase não obtém fundos para sobreviver. Cálculos feitos pelo Banco Mundial revelam que a população pobre ganha entre 1,25 e 2 dólares ao dia, porém, ainda podemos encontram o extremo da pobreza que são aqueles que recebem menos de 1,25 dólares por dia. Analisada a situação mundial, chegou-se à conclusão que cerca de 22% da população mundial se encontra no limiar da pobreza e 44% ganham menos de 2 dólares por dia. Em suma, 66% da população mundial vive miseravelmente, na penúria. Entre outros, os países nos quais os índices se apresentam mais alarmantes são a América Latina, o sul da Ásia e principalmente África Subsaariana.
Estas desigualdades sociais levam a diferenciações entre um cidadão rico e um cidadão pobre. Assim, se dissermos que um cidadão rico tem mais direitos que um cidadão pobre, na prática, não é mentira. Contudo, na teoria, os Direitos Humanos são direitos e liberdades básicos de todos os seres humanos. Entre eles - o direito à vida, à propriedade, ao trabalho, o direito à educação, à saúde, à distribuição de renda, entre outros. “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade” diz o artigo primeiro da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Tomemos como exemplo o caso de dois países, Portugal (localizado no continente Europeu) e Zâmbia (localizado no continente Africano). Segundo a Declaração dos Direitos Humanos, todos temos direito à educação. No entanto, podemos verificar que em Portugal a percentagem de jovens com 15 anos ou mais que sabe ler atinge os 95.4%, enquanto em Zâmbia abrange somente 61.4% dos jovens. Comprova-se, como tal, que ainda persiste uma grande distância entre o mundo desenvolvido e o mundo menos desenvolvido e emergente.
Segundo o índice de Gini, as desigualdades em Portugal têm vindo a atenuar, uma vez que em 1994 encontrava-se em 37% e em 2011 (dados mais recentes) encontrava-se em 34,5%. Em Zâmbia verifica-se um índice bem mais elevado, que revela que há mais desigualdades entre a população, tendo a tendência de se agravar cada vez mais, isto é, há uma disposição significativa para o aumento das diferenças. Em 1996 este rondava os 49.79, porém, aumentou já no ano de 2006 para 54.63%. A verdade é que os ricos ficam cada vez mais ricos, e os pobres cada vez mais pobres.

Se há estas diferenças tão profundas entre indivíduos, será possível que os direitos sejam os mesmos para todos? A resposta não é aquela que desejamos ouvir. Na verdade é impossível que um comum mortal pobre tenha os mesmos direitos que um Homem rico. Este trabalha uma vida inteira para lutar pelo alimento, não havendo lugar para educação, para direito à propriedade. Interrogo-me até, se haverá o direito à vida. Ele não vive, sobrevive. A luta pelos Direitos Humanos é constante e depende de cada um de nós mudar a situação.

O DIA EM QUE A ESCRAVATURA ESTÁ APENAS PRESENTE NOS LIVROS DE HISTÓRIA

Artigo por: Núria Inácio
Revisto por: Inês Cardoso 

O dia em que a escravatura estará apenas presente nos livros de História

Ontem, dia 2 de dezembro, celebra-se o Dia Internacional para a Abolição da Escravatura, data criada pela ONU há 64 anos. Faz sentido discutirmos este tema volvidos mais de 100 anos da abolição da escravatura na maior parte dos países ocidentais? Muitas pessoas considerarão este um capítulo triste, mas encerrado nas páginas dos livros de História. Não poderiam estar mais enganadas: calcula-se que atualmente existam cerca de 30 milhões de pessoas sujeitas às mais diversas formas de escravatura – mais do dobro do número de africanos transportados para o continente americano entre os séculos XVI e XIX!
A escravatura é um fenómeno quase tão antigo como a Humanidade. Era praticada já nas civilizações pré-clássicas, e mesmo os gregos não a encaravam como um obstáculo ao regime democrático então criado. No Império Romano, o número de escravos excedia mesmo a população livre! Nesta época, os escravos eram na sua maioria capturados entre os inimigos de guerra e criminosos, havendo também alguns registos de casos de escravatura por dívidas.
Na Idade Média a escravatura não deixou de existir, embora sem o peso socioeconómico que tivera no período anterior. Contudo, foi com a Expansão Marítima e a constituição de Impérios Coloniais na Época Moderna que o tráfico de escravos se expandiu exponencialmente. Os portugueses foram os primeiros a iniciar esta atividade lucrativa, sendo seguidos pelos espanhóis, holandeses, ingleses e franceses. Os próprios governos incentivaram o tráfico que, para além dos lucros, era uma forma de contornar a falta de mão-de-obra nas regiões recém-descobertas. Uma média de 55 000 africanos chegavam anualmente à América. O Brasil, as colónias inglesas da América do Norte e as Antilhas eram os principais pontos de chegada. Capturados e transportados nos navios negreiros, conhecidos por “tumbeiros”, mais de um terço morria antes de chegar ao seu destino. Empilhados nos porões, acorrentados, ocupando um espaço correspondente ao tamanho de uma sepultura, submetidos a uma alimentação deficiente e à total ausência de condições de higiene, apenas os mais resistentes sobreviviam. Uma vez chegados ao continente americano, eram expostos em mercados especializados, onde acorriam os colonos para avaliarem o valor da “peça”. Tratados como mercadoria, eram separados das famílias e depois de vendidos, os donos, para indicar a posse, marcavam-nos com um ferro em brasa, como se faz ao gado. Em termos legais, os escravos não usufruíam de quaisquer direitos, incluindo o direito de formarem família. Os violentos castigos físicos que lhes eram regularmente aplicados, muitas vezes culminando na sua morte, não eram penalizados pela justiça.
Apesar de muitos missionários defenderem as populações ameríndias da escravização, a mesma atitude de complacência não se aplicou aos escravos negros. Assim, só no século XIX, na sequência das ideias iluministas e liberais de liberdade, igualdade e fraternidade, se desenvolveram movimentos abolicionistas. A abolição da escravatura foi uma questão controversa, que colocou em causa muitos interesses económicos e variou de país para país, chegando a provocar autênticas guerras civis, como foi o caso da Guerra Civil Americana (1861-1865). Em Portugal, a escravatura foi definitivamente abolida em fevereiro de 1869, após um processo lento e gradual que teve início em 1791, em plena época pombalina.
Porém, a abolição do estado de escravidão não extinguiu a sua prática que, infelizmente, se arrasta até aos nossos dias. Em pleno século XXI, continuamos a assistir, embora de forma camuflada e, na maior parte dos países, ilegal, situações de escravidão por dívidas, servidão e trabalho forçado, tráfico humano para remoção de órgãos ou com fins sexuais, múltiplas formas de trabalho infantil, venda de crianças para a adoção, venda de noivas e recrutamento forçado de crianças em conflitos armados.
A Walk Free Foudation, uma fundação australiana que combate a escravatura moderna, lançou este ano o primeiro o ranking da escravatura – The Global Slavery Index 2013[1]. Num total de 162 países, a Mauritânia ocupa a primeira posição como o país com mais casos. Portugal encontra-se nos últimos lugares (posição 147º), embora sejam estimados 1300 a 1400 casos de escravatura, um número muito superior aquele que foi divulgado pelo Observatório do Tráfico de Seres Humanos – 164 casos sinalizados de janeiro a setembro deste ano. Entre esses casos, predominam as vítimas de exploração sexual, maioritariamente do sexo feminino. Contudo, também existem organizações que forçam crianças à mendicidade e criminalidade e outras que recrutam mão-de-obra trazida para Portugal ou levada para o estrangeiro com promessas de trabalho.
A celebração deste dia deve ser feita com ações e não com discursos vãos; ações que se estendam por todos os dias, de todos os anos, até que o tema da escravatura esteja apenas presente nos livros de História.
É essencial o comprometimento dos Estados na luta contra a escravatura, mobilizando os meios disponíveis para cumprir de facto os Artigos I e IV da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. (…)” e “Ninguém será mantido em escravidão. A escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas.”.
Ao invés de omitir e camuflar a realidade, urge divulgar e informar. Creio que a prevenção só será viável quando a informação se alargar ao maior número de pessoas possível – que formas de escravatura subsistem; a quem nos devemos dirigir se conhecermos algum caso; que organizações apoiam as vítimas na sua reintegração.
Para terminar, gostava de deixar esta mensagem: cabe-nos a nós, seres humanos e sociais que somos, estar mais atentos ao Outro, interpelar esse Outro que nos parece perturbado, triste e fechado sobre si mesmo. Porque atualmente os escravos não se encontram acorrentados nem expostos num mercado à vista de todos…


 
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