ATÉ NOS SUPERMERCADOS SOMOS COMPLETAMENTE MANIPULADOS

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Artigo por: Inês Cardoso
Revisto por: Isolete Sousa

            As mercearias cederam lugar às grandes superfícies, a saca de pano cedeu lugar ao saco de plástico, a honestidade foi abafada pela manipulação. Há não muitos anos atrás, cerca de vinte ou trinta, a fatura da dispensa era constituída por bens de primeira necessidade que eram transpostos para as típicas listas de compras ou cogitados mentalmente. Hoje em dia, as coisas já não funcionam bem assim. Quando vamos ao supermercado, somos literalmente manipulados por tudo.
            Podemos começar pelo mais básico, a localização dos produtos de primeira necessidade. Estes produtos indispensáveis, tal como o pão, a água, o leite ou até mesmo o papel higiénico localizam-se ou no fundo da grande superfície, ou então do lado oposto à entrada, obrigando-nos a percorrer grande parte do supermercado, vendo outros produtos que não constam na nossa lista e os quais ponderamos comprar. Logo à entrada estão as promoções e este facto não ocorre ao acaso. Temos o carrinho ainda vazio, sem estar saturado de compras, assim ainda não contabilizamos conscientemente o dinheiro que vamos gastar, e esse é o momento em que nos apresentam produtos supérfluos a preços irresistíveis, levando-nos a adquiri-los.
            A luz e a música também são fatores de grande importância. Quando vamos comprar a carne, a luz das prateleiras é normalmente azulada com ultravioletas ou então vermelha. Afinal por que não poderia ser simplesmente uma luz branca? Acontece que a carne de vaca que compramos é maioritariamente de vacas velhas, que ao fim de oito anos já não dão leite, dada a sua idade, possuem gordura amarela, logo são colocadas sob uma luz azul com ultravioletas para atenuar a cor da gordura e fazer parecer carne de vaca nova. As luzes avermelhadas, por sua vez, tornam a carne mais vermelha e consequentemente fazem-na parecer mais apetecível. Na secção dos bolos, a luminosidade é amarela, tornando-os mais tentadores e simulando a maior quantidade de ovos na sua composição. Sabemos, portanto, que os ovos caseiros deixam uma cor mais amarela nos bolos, enquanto os ovos do aviário deixam-nos mais claros, deste modo, a luz é a forma de nos fazer acreditar que os bolos que lá se vendem são confecionados com ovos caseiros. A música também é estudada ao detalhe. Os consumidores não gostam de confusão, nem da ressonância das vozes num hipermercado vazio, esta situação levaria a que abandonassem o local mais depressa. Assim, a música ambiente proporciona um clima de bem-estar e faz com que percamos a noção do tempo, permanecendo nestes espaços por longos períodos.
            Tudo é estudado até ao ínfimo pormenor, até mesmo a localização dos produtos nas próprias prateleiras. Os artigos mais caros, que são aqueles que pretendem que nós compremos mais rápido, encontram-se do lado direito, uma vez que a maioria das pessoas são destras, assim estas circulam inconscientemente, grande parte das vezes, desse lado. Para além disso, os produtos que estão ao alcance da nossa mão e à altura dos nossos olhos são aqueles que trazem uma margem de lucro maior. Aqueles que trazem uma margem de lucro menor ou que são mais baratos ficam com os piores lugares, as prateleiras de baixo, que são as menos vistas.
Parece impossível, mas a velocidade a que nos deslocamos é completamente frenética, em média um metro por segundo, fazendo com que não tenhamos tempo suficiente para analisar tudo minuciosamente. Um facto científico é que os homens olham mais para a direita e as mulheres mais para a esquerda, por isso, as roupas, os produtos de beleza, entre outros destinados ao público feminino estão maioritariamente do lado direito, enquanto os whiskies, aperitivos ou até mesmo chocolates encontram-se nas prateleiras contrárias, para captar a atenção masculina.
            Inacreditavelmente o que mais nos chateia nos supermercados é o que mais lucro lhes traz, como é o caso da fila sempre descomunal na charcutaria. Tiramos a senha e, em média, estão sempre mais de dez pessoas à nossa frente, mas este facto não nos faz desistir e aguardamos pela nossa vez. Isto atrai ao consumo nesta zona, uma vez que a acumulação de pessoas gera a sensação às restantes de que os produtos são de qualidade, logo, também elas têm que ir comprar. Para além disso, ao ficarmos cinco minutos à espera, levamos sempre mais do que aquilo que nos fez ficar na fila. Assim, em vez de lucrarem um quilo de fiambre, lucram um quilo de fiambre, um quilo de mortadela, um quilo de presunto e até um quilo de queijo roquefort. Por isso é que os funcionários dessa área nos parecem sempre menos do que os necessários, afinal até isso é pensado e programado. Outra das situações que também nos apoquenta são as zonas frias. Porém, não haver forma de nos manter lá por cinco minutos que seja, seria uma quebra de lucros desastrosa no final do mês, havia, portanto, a necessidade de atuar. A solução passou pelo investimento de luzes amarelas, que nos remetem ao sol, e que nos fazem lembrar calor. Afinal é verdade aquilo que dizem - o calor e o frio são psicológicos, uma vez que permanecemos mais tempo nessa zona do que aquele que verdadeiramente nos apetece, enquanto isso compramos mais do que se simplesmente por lá passássemos.
            Bem, com tanta persuasão e manipulação ficamos cansados, a nossa sorte é que temos uns banquinhos espalhados onde podemos fazer uma pequena pausa… Se acham que as coisas são mesmo assim, então estão muito enganados! Os pontos de paragem são distribuídos estrategicamente de forma a fazer com que os consumidores parem em locais onde possam ficar a observar produtos aliciantes, a preços irresistíveis. Também é uma forma de nos manterem presos mais tempo, assim, fazemos uma pausa, ficamos a ver produtos tentadores, recuperamos o fôlego e continuamos a gastar e a gastar, cada vez mais.
            Os odores são fundamentais para a venda dos produtos. Pulveriza-se regularmente a zona das frutas e dos legumes frescos com cheiros a morango, pêssego e laranja, o que nos faz acreditar piamente que o que estamos a comprar é de extrema qualidade e de extrema frescura, a avaliar pelo cheiro, porém tudo rui quando chegamos a casa e a deliciosa essência não se encontra nos produtos que adquirimos. Também a zona dos produtos de limpeza é carregada de odores a roupa lavada, a zona dos bolos a pão fresco e a zona do peixe a limão. Outra das formas de atrair a nossa atenção é colocar os produtos em grande quantidade. Ao vermos uma pirâmide de um produto, temos a tendência a pensar que tal está com um extraordinário preço, logo queremos adquiri-lo uma vez que não podemos perder uma oportunidade destas. Se virmos somente uma unidade de um produto, a tendência é a de deixar lá ficar. Se nos remetermos à época do Natal, vemos como os Ferrero Rocher, ou os Mon Cheri se encontram no centro em gigantescas pirâmides.
            Uns metros antes das caixas de pagamento, o chão encontra-se ligeiramente inclinado. Obviamente que a inclinação não está a olho nu, mas é o suficiente para nos obrigar a abrandar antes de pagar e ter a oportunidade de ver e comprar, evidentemente, um último produto. Certamente que isto nunca nos passaria pela cabeça, porém existe e influencia extremamente o consumidor.
            Concluímos, assim, que tudo é minuciosamente pensado, calculado, estudado de forma a obter mais e mais benefício no final do mês, com efeito o percurso dos consumidores já há muito tempo que anda a ser estudado através de chips que se colocam nos carrinhos de compras que nós usamos inocentemente, assim como através das câmaras de vigilância que são diariamente analisadas e avaliadas. Estes são os métodos que permitem compreender e aperfeiçoar técnicas de manipulação de consumo, que acabam por aumentar os lucros e diminuir o peso das nossas carteiras. A verdade é que nós, consumidores, somos condicionados em todo o nosso percurso, em todas as zonas, em todas as prateleiras dum supermercado e só compramos o que eles querem que nós compremos.




6 comentários:

  1. Parabéns pelo excelente artigo! Temos de estar atentos para evitar este tipo de manipulações. Um truque é escrever uma lista de compras e comprar apenas o essencial. Saber aproveitar as promoções sim, mas com produtos que sejam, de facto, essenciais e não perecíveis. Quanto à qualidade duvidosa de determinados produtos, principalmente nos frescos, devemos optar pelo comércio tradicional (pequenas mercearias, frutarias e minimercados), onde o preço costuma ser inferior e a qualidade muito superior!

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  2. Obrigada :) É verdade, todos deveríamos pensar assim para que não houvesse tantas desigualdades sociais, e para que o comércio tradicional se pudesse preservar durante muitos mais anos.

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  3. Parabéns! Está muito interessante e pertinente! Sintetiza as formas como os consumidores, de uma forma subtil, podem ser impulsionados a comprar artigos que não necessitam ou a comprarem embalagens maiores e que também não necessitam...Recomendo um livro: "Comer sem pensar" de Brian Wansink que ajuda a refletir sobre o consumo alimentar e as "armadilhas" a ele associadas...

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    1. Em primeiro lugar, muito obrigada pelo elogio Maria Antónia Nunes. Fica aqui a sugestão para lerem o livro "Comer sem pensar" de Brian Wansink!
      Caros leitores, temos que divulgar estas informações para que todas estas técnicas de manipulação, tão minuciosamente pensadas e escondidas, sejam de conhecimento geral, acabando com todo este domínio por parte "deles" sobre "nós".
      Cumprimentos,
      RJ

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    2. Ora, como estudante universitário a estudar longe de casa, não sou a melhor pessoa para confirmar estas ideias com os meus hábitos, pois apenas compro aquilo que o dinheiro que a mamã e o papá mandam dá para comprar...Mas não deixo de concordar com o artigo que na, minha opinião, reflecte o que muita gente sabe, mas no fundo apenas quer olhar para o lado...Se comentasse todo o essencial do texto, ficariam com um spam enorme aqui, portanto apenas dou um aparte de que as grandes superfícies comerciais ao eclipsarem as pequenas mercearias de bairro, também apagaram aquela relação entre o mercieiro do Bairro e os habitentes deste e em pequena parte toda a comunhão existente entre as "comunidades de bairro" que existia no tempo dos nossos pais e avós...Concluo, ao dizer cada vez mais estão longíquos os tempos de se ouvir "Ó Evaristo! Tens cá disto?!"

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    3. Muito obrigado pelo seu comentário. Continue a ser assíduo ao nosso site e participativo!
      Cumprimentos, RJ

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