Artigo por: Inês Cardoso
Revisto por: Isolete Sousa
Revisto por: Isolete Sousa
As mercearias cederam lugar às grandes superfícies, a
saca de pano cedeu lugar ao saco de plástico, a honestidade foi abafada pela
manipulação. Há não muitos anos atrás, cerca de vinte ou trinta, a fatura da
dispensa era constituída por bens de primeira necessidade que eram transpostos
para as típicas listas de compras ou cogitados mentalmente. Hoje em dia, as
coisas já não funcionam bem assim. Quando vamos ao supermercado, somos literalmente
manipulados por tudo.
Podemos começar pelo mais básico, a localização dos
produtos de primeira necessidade. Estes produtos indispensáveis, tal como o
pão, a água, o leite ou até mesmo o papel higiénico localizam-se ou no fundo da
grande superfície, ou então do lado oposto à entrada, obrigando-nos a percorrer
grande parte do supermercado, vendo outros produtos que não constam na nossa
lista e os quais ponderamos comprar. Logo à entrada estão as promoções e este
facto não ocorre ao acaso. Temos o carrinho ainda vazio, sem estar saturado de
compras, assim ainda não contabilizamos conscientemente o dinheiro que vamos
gastar, e esse é o momento em que nos apresentam produtos supérfluos a preços
irresistíveis, levando-nos a adquiri-los.
A luz e a música também são fatores de grande
importância. Quando vamos comprar a carne, a luz das prateleiras é normalmente
azulada com ultravioletas ou então vermelha. Afinal por que não poderia ser simplesmente
uma luz branca? Acontece que a carne de vaca que compramos é maioritariamente
de vacas velhas, que ao fim de oito anos já não dão leite, dada a sua idade,
possuem gordura amarela, logo são colocadas sob uma luz azul com ultravioletas
para atenuar a cor da gordura e fazer parecer carne de vaca nova. As luzes
avermelhadas, por sua vez, tornam a carne mais vermelha e consequentemente
fazem-na parecer mais apetecível. Na secção dos bolos, a luminosidade é
amarela, tornando-os mais tentadores e simulando a maior quantidade de ovos na
sua composição. Sabemos, portanto, que os ovos caseiros deixam uma cor mais
amarela nos bolos, enquanto os ovos do aviário deixam-nos mais claros, deste modo,
a luz é a forma de nos fazer acreditar que os bolos que lá se vendem são confecionados
com ovos caseiros. A música também é estudada ao detalhe. Os consumidores não
gostam de confusão, nem da ressonância das vozes num hipermercado vazio, esta
situação levaria a que abandonassem o local mais depressa. Assim, a música
ambiente proporciona um clima de bem-estar e faz com que percamos a noção do tempo,
permanecendo nestes espaços por longos períodos.
Tudo é estudado até ao ínfimo pormenor, até mesmo a
localização dos produtos nas próprias prateleiras. Os artigos mais caros, que
são aqueles que pretendem que nós compremos mais rápido, encontram-se do lado
direito, uma vez que a maioria das pessoas são destras, assim estas circulam
inconscientemente, grande parte das vezes, desse lado. Para além disso, os
produtos que estão ao alcance da nossa mão e à altura dos nossos olhos são
aqueles que trazem uma margem de lucro maior. Aqueles que trazem uma margem de
lucro menor ou que são mais baratos ficam com os piores lugares, as prateleiras
de baixo, que são as menos vistas.
Parece
impossível, mas a velocidade a que nos deslocamos é completamente frenética, em
média um metro por segundo, fazendo com que não tenhamos tempo suficiente para
analisar tudo minuciosamente. Um facto científico é que os homens olham mais
para a direita e as mulheres mais para a esquerda, por isso, as roupas, os
produtos de beleza, entre outros destinados ao público feminino estão
maioritariamente do lado direito, enquanto os whiskies, aperitivos ou até mesmo chocolates encontram-se nas
prateleiras contrárias, para captar a atenção masculina.
Inacreditavelmente o que mais nos chateia nos supermercados
é o que mais lucro lhes traz, como é o caso da fila sempre descomunal na
charcutaria. Tiramos a senha e, em média, estão sempre mais de dez pessoas à
nossa frente, mas este facto não nos faz desistir e aguardamos pela nossa vez.
Isto atrai ao consumo nesta zona, uma vez que a acumulação de pessoas gera a
sensação às restantes de que os produtos são de qualidade, logo, também elas
têm que ir comprar. Para além disso, ao ficarmos cinco minutos à espera,
levamos sempre mais do que aquilo que nos fez ficar na fila. Assim, em vez de
lucrarem um quilo de fiambre, lucram um quilo de fiambre, um quilo de
mortadela, um quilo de presunto e até um quilo de queijo roquefort. Por isso é que os funcionários dessa área nos parecem
sempre menos do que os necessários, afinal até isso é pensado e programado.
Outra das situações que também nos apoquenta são as zonas frias. Porém, não
haver forma de nos manter lá por cinco minutos que seja, seria uma quebra de
lucros desastrosa no final do mês, havia, portanto, a necessidade de atuar. A
solução passou pelo investimento de luzes amarelas, que nos remetem ao sol, e
que nos fazem lembrar calor. Afinal é verdade aquilo que dizem - o calor e o
frio são psicológicos, uma vez que permanecemos mais tempo nessa zona do que
aquele que verdadeiramente nos apetece, enquanto isso compramos mais do que se
simplesmente por lá passássemos.
Bem, com tanta persuasão e manipulação ficamos cansados,
a nossa sorte é que temos uns banquinhos espalhados onde podemos fazer uma pequena
pausa… Se acham que as coisas são mesmo assim, então estão muito enganados! Os
pontos de paragem são distribuídos estrategicamente de forma a fazer com que os
consumidores parem em locais onde possam ficar a observar produtos aliciantes,
a preços irresistíveis. Também é uma forma de nos manterem presos mais tempo,
assim, fazemos uma pausa, ficamos a ver produtos tentadores, recuperamos o
fôlego e continuamos a gastar e a gastar, cada vez mais.
Os odores são fundamentais para a venda dos produtos. Pulveriza-se
regularmente a zona das frutas e dos legumes frescos com cheiros a morango,
pêssego e laranja, o que nos faz acreditar piamente que o que estamos a comprar
é de extrema qualidade e de extrema frescura, a avaliar pelo cheiro, porém tudo
rui quando chegamos a casa e a deliciosa essência não se encontra nos produtos
que adquirimos. Também a zona dos produtos de limpeza é carregada de odores a
roupa lavada, a zona dos bolos a pão fresco e a zona do peixe a limão. Outra
das formas de atrair a nossa atenção é colocar os produtos em grande
quantidade. Ao vermos uma pirâmide de um produto, temos a tendência a pensar
que tal está com um extraordinário preço, logo queremos adquiri-lo uma vez que
não podemos perder uma oportunidade destas. Se virmos somente uma unidade de um
produto, a tendência é a de deixar lá ficar. Se nos remetermos à época do
Natal, vemos como os Ferrero Rocher, ou
os Mon Cheri se encontram no centro
em gigantescas pirâmides.
Uns metros antes das caixas de pagamento, o chão
encontra-se ligeiramente inclinado. Obviamente que a inclinação não está a olho
nu, mas é o suficiente para nos obrigar a abrandar antes de pagar e ter a
oportunidade de ver e comprar, evidentemente, um último produto. Certamente que
isto nunca nos passaria pela cabeça, porém existe e influencia extremamente o
consumidor.
Concluímos, assim, que tudo é minuciosamente pensado,
calculado, estudado de forma a obter mais e mais benefício no final do mês, com
efeito o percurso dos consumidores já há muito tempo que anda a ser estudado
através de chips que se colocam nos carrinhos de compras que nós usamos
inocentemente, assim como através das câmaras de vigilância que são diariamente
analisadas e avaliadas. Estes são os métodos que permitem compreender e
aperfeiçoar técnicas de manipulação de consumo, que acabam por aumentar os
lucros e diminuir o peso das nossas carteiras. A verdade é que nós, consumidores,
somos condicionados em todo o nosso percurso, em todas as zonas, em todas as
prateleiras dum supermercado e só compramos o que eles querem que nós
compremos.
Parabéns pelo excelente artigo! Temos de estar atentos para evitar este tipo de manipulações. Um truque é escrever uma lista de compras e comprar apenas o essencial. Saber aproveitar as promoções sim, mas com produtos que sejam, de facto, essenciais e não perecíveis. Quanto à qualidade duvidosa de determinados produtos, principalmente nos frescos, devemos optar pelo comércio tradicional (pequenas mercearias, frutarias e minimercados), onde o preço costuma ser inferior e a qualidade muito superior!
ResponderEliminarObrigada :) É verdade, todos deveríamos pensar assim para que não houvesse tantas desigualdades sociais, e para que o comércio tradicional se pudesse preservar durante muitos mais anos.
ResponderEliminarParabéns! Está muito interessante e pertinente! Sintetiza as formas como os consumidores, de uma forma subtil, podem ser impulsionados a comprar artigos que não necessitam ou a comprarem embalagens maiores e que também não necessitam...Recomendo um livro: "Comer sem pensar" de Brian Wansink que ajuda a refletir sobre o consumo alimentar e as "armadilhas" a ele associadas...
ResponderEliminarEm primeiro lugar, muito obrigada pelo elogio Maria Antónia Nunes. Fica aqui a sugestão para lerem o livro "Comer sem pensar" de Brian Wansink!
EliminarCaros leitores, temos que divulgar estas informações para que todas estas técnicas de manipulação, tão minuciosamente pensadas e escondidas, sejam de conhecimento geral, acabando com todo este domínio por parte "deles" sobre "nós".
Cumprimentos,
RJ
Ora, como estudante universitário a estudar longe de casa, não sou a melhor pessoa para confirmar estas ideias com os meus hábitos, pois apenas compro aquilo que o dinheiro que a mamã e o papá mandam dá para comprar...Mas não deixo de concordar com o artigo que na, minha opinião, reflecte o que muita gente sabe, mas no fundo apenas quer olhar para o lado...Se comentasse todo o essencial do texto, ficariam com um spam enorme aqui, portanto apenas dou um aparte de que as grandes superfícies comerciais ao eclipsarem as pequenas mercearias de bairro, também apagaram aquela relação entre o mercieiro do Bairro e os habitentes deste e em pequena parte toda a comunhão existente entre as "comunidades de bairro" que existia no tempo dos nossos pais e avós...Concluo, ao dizer cada vez mais estão longíquos os tempos de se ouvir "Ó Evaristo! Tens cá disto?!"
EliminarMuito obrigado pelo seu comentário. Continue a ser assíduo ao nosso site e participativo!
EliminarCumprimentos, RJ